segunda-feira, maio 23, 2005

interiores

chego-me à janela do meu quarto. debruço-me no parapeito. olho em frente, vejo outro quarto. outra pessoa lá dentro. olho para baixo, sem óculos vejo o fundo deste saguão, mas não consigo distinguir o que está no chão. este saguão acompanha-me há mais de três anos. no início via um outro saguão, uma outra janela do lado oposto. confesso, não gosto da casa onde moro, apenas do fresco que está pintado no tecto da entrada do prédio, mas já houve alguém que o tentou assassinar. confesso que apetecia-me tanto abraçar-te. porque estamos assim tão longe um do outro?!? gostava que me podesses reconfortar. a tua voz acalma bastante o espiríto. nunca tive muitos projectos para o futuro. nunca vi muito à minha frente, quando era pequeno passava longas temporadas no hospital. a semana passada tentei explicar à minha psicóloga porque é que quando era criança pensava que iria morrer novo. não é muito difícil saber o que vai no interior de uma mente demente. a minha demência tem sido agradável e até saudável. o que vejo actualmente na minha vida para os próximos meses é sem dúvida atingível. mas parece-me tão distante, tão impossível, tão inantigível. sou fraco. é desta fraqueza que tenho ido buscar todas as forças com as quais tenho vivido estes anos todos. por vezes julgo que me queixo em demasia da minha vida. até tenho uma vida razoável. tenho um emprego do qual gosto muito. tenho tantas pessoas que me amam. e o mais importante: gosto tanto de viver, nem imaginam a importância que dou ao facto de eu viver. ser seropositivo para mim não é coisa nenhuma. é muito complicado sê-lo, mas não é impossível. chego-me à janela. preciso de ti meu bem amado, da tua pele, da tua carne, do teu espiríto, do teu abraço.

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